Quem mora no Brasil certamente já se deparou com a pergunta: Qual o limite do humor? A frase emblemática tomou forma quando o comediante Rafinha Bastos fez uma piada com a artista Wanessa Camargo e seu nascituro. Recentemente, a mesma pergunta voltou a ser palco de discussões quando o comediante Leo Lins foi acusado de crimes de racismo pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
Entenda o Caso Leo Lins
O Ministério Público do Estado de São Paulo buscou o Judiciário para censurar previamente o humorista e impedir que pudesse realizar shows e outros eventos. No caso, o MPSP ofereceu denúncia com base na Lei 13.146/2015, baseado no art. 88 e também pela lei 7.716/1989, em seu art. 20.
O artigo 88 da Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, trata da infração administrativa por discriminação, estabelecendo medidas punitivas para quem a pratica. Já o artigo 20 da Lei 7.716/1989 define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, estabelecendo punições para atos discriminatórios
Posicionamento do Supremo Tribunal Federal
Embora seja controverso o fato do Supremo Tribunal Federal não permitir a censura prévia, zelando sempre pela Liberdade de Expressa, é certo que existem casos em que o STF não permite que o direito à informação e a liberdade seja exercida.
Justamente com base nessa postura, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, atualmente aposentado, cassou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que tinha como objetivo censurar o humorista Leo Lins. Citou o ministro:
[i] O exercício das liberdades de pensamento, expressão e comunicação, notadamente no âmbito das atividades de imprensa, salvo situações excepcionalíssimas, não pode ser objeto de cerceamento ou censura prévia, nem mesmo judicial;
[ii] A atividade humorística, enquanto manifestação da liberdade de criação artística, amolda-se à perfeição à liberdade de imprensa que protege a atividade jornalística, sendo ambas igualmente abrangidas pela firme jurisprudência protetiva da Suprema Corte;
[iii] As liberdades de manifestação do pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, inclusive a criação e apresentação de conteúdos humorísticos, possuem posição apriorística preferencial (preferred position) – o que não se confunde com superioridade (inexistente) – em relação aos demais direitos fundamentais constitucionalmente protegidos;
[iv] Tendo em vista o caráter relativo dos direitos fundamentais, eventuais abusos no exercício dessas liberdades devem, preferencialmente, ser objeto de exame posterior, nos termos da legislação civil ou até mesmo penal, dispondo o ordenamento jurídico brasileiro de mecanismos normativos e processuais aptos aequacionar os bens jurídicos conflitantes; e
[v] Somente em situações absolutamente excepcionais, vale dizer, em que restar concreta e objetivamente demonstrada a evidente lesividade para a sociedade, à luz inclusive dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, pode ser cogitado o afastamento cautelar, initio litis, do amplo exercício das liberdades em comento, surgindo pesadíssimo ônus argumentativo para justificar decisão judicial que implique censura prévia.”
Fonte: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf
Por essa razão, determinou o Supremo Tribunal Federal que o show do humorista não poderia ter sido censurado, considerando que sequer houve proibição de falas específicas.
Caso Leo Lins Atualmente
Atualmente, o caso do humorista Leo Lins segue tendo destaque nas mídias como um marco acerca da postura a ser adotada pelo Poder Judiciário para casos em que o conflito entre direitos está em jogo, no caso em comento a defesa de minorias e a liberdade de expressão ou livre exercício da profissão.
Em 2024, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o recurso do comediante para fazer declarar que não há competência da Justiça Estadual para julgar o crime imputado ao artista. Para o Ministro Marcos Alexandre Coleho Zilli, os crimes praticados por meios das plataformas digitais (ex. YouTube e Facebook) por ultrapassarem os limites de um ou outro Estado, inclusive do Brasil, acabam por ser de competência da Justiça Federal.
O caso ainda precisa ser remetido à Justiça Federal e o desenrolar acontecerá nos próximos meses.